Não há atalhos

O debate em torno da disputa na esfera política, pela continuidade ou não do governo do Partido dos Trabalhadores, tende a ignorar a nova configuração do capitalismo.

A questão indígena no Brasil

Quando José Carlos Mariátegui formulou sua tese sobre a questão indígena no Peru disse que "o problema do índio era o problema da terra"...

O "golpe" já aconteceu

A onda de desemprego prepara a blindagem dos empresários para se acolher mais à frente no novo marco de legislação trabalhista. As chacinas contra a juventude da periferia e os indígenas...

A luta por cotas na Unesp

Os recentes casos de pichações racistas em Bauru, com os escritos “negras fedem”, “Juarez macaco” entre outros, recentemente chocaram a UNESP e a sociedade, por demonstrar que o racismo é algo que existe...

A Viagem de Dilma Roussef aos EUA e os novos alinhamentos do capitalismo

A viagem da presidenta Dilma Rousseff aos EUA, com toda a carga simbólica do encontro com Obama e Kissinger[1] e com todos os desdobramentos não explicitados, é um episódio revelador...

sexta-feira, 8 de abril de 2016

Não há atalhos


O debate em torno da  disputa na esfera política, pela continuidade ou não do governo do Partido dos Trabalhadores, tende a ignorar a nova configuração do capitalismo. Mesmo com todas as mediações entre uma e outra esfera, essas transformações de fundo são base material das determinações que se impõem para os Estados e para os governos. 

Impulsionados por EUA, o Tratado Transatlântico, o Tratado Transpacífico e do TiSA (tratado de comércio de serviços) ampliam em escala planetária as zonas de livre comércio e as garantias para preservar os interesses das empresas transnacionais de eventuais tentativas de mudança na política interna dos países. A imposição dos três tratados exige uma adaptação do marco legal e do funcionamento do Estado em cada país. As consequências destas modificações terão maior impacto sobre as populações da periferia. Países como El Salvador, e mesmo México desde 1994, só para citar alguns exemplos do continente, já sofreram desde a última década do século XX essa transformação. As áreas de livre comércio e a instalação de maquiladoras nesses países são amostras da tendência que os três tratados consolidariam como norma. O Brasil beneficiou-se de uma posição intermediária dentro da ordem que vem se configurando, servindo de operador para a realização, dentro da região e mesmo em países da África, da especialização dos países "destinados" à produção de commodities. O IIRSA (Iniciativa para a Integração Regional Sudamericana), criada em 2000 na reunião de presidentes da região, já tinha apostado em criar a infraestrutura necessária para o escoamento e circulação veloz de commodities. 

Durante os governos do Partido dos Trabalhadores, o Estado brasileiro tem agido com relativa eficiência para impulsionar a expansão do capital nesses ramos econômicos, no próprio território, no continente e em países africanos. E têm apostado no desenvolvimento da infraestrutura regional para essa finalidade de especialização produtiva. Esse papel diferenciado do Brasil deu margem e criou condições para a extração de lucros extraordinários para empresas com sede no território nacional e permitiu certo favorecimento à indústria de transformação local. Essa margem se estreitou com a promoção dos três tratados, a nova "pax americana", que toma a iniciativa de reorganizar as cadeias produtivas e seu funcionamento em escala planetária, com um controle mais concentrado por determinadas empresas. Essa "pax americana" arremete agora na América Latina.

No Brasil, a composição de classe interna que deu sustentação ao projeto dos governos do Partido dos Trabalhadores já não pode ser satisfeita. Por exemplo, o setor do empresariado industrial, que foi relativamente favorecido, não encontra o mesmo apoio e nem a representação deste segundo governo de Dilma Rousseff. Daí a virulência da oposição da FIESP (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) e o posicionamento da FIRJAN (Federação das Indústrias do Estado de Rio de Janeiro) em favor do impeachment. As novas determinações externas fazem com que o governo priorize outros setores, subsidie menos a indústria, aumente os juros e isto é ruim para o setor. 

Só que nem o PMDB e menos o PSDB se comprometem com uma política de apoio à indústria. Entre os partidos da ordem, nenhum cogita resistir a esta imposição externa. O que estão fazendo é disputar qual desses continuará administrando essa transição com estilos diferentes. Esta campanha judicial articulada com a campanha midiática que se realiza contra o PT terminará debilitando todos os partidos da ordem, uma vez que lançam investigações que revelam a rede de favores como prática inerente a governabilidade no capitalismo dependente. Isto demonstra a autocracia do Estado burguês na periferia, que implica às vezes em ilegalidades e às vezes em uso seletivo da lei para favorecer (no sentido da instituição do favor) um setor e não outro. A própria investigação Operação Santiagraha, deflagrada em 2004, que investigou pagamento de propinas a políticos, juízes e jornalistas por parte de banqueiros e lavagem de dinheiro,  foi engavetada porque ia desestruturar o Estado se tudo isto se expusesse. Os 315 políticos da lista da delação premiada da Odebrecht, por exemplo, não permitem manter a Operação Lava Jato com foco exclusivo no PT, mesmo com todos os dispositivos que mobilizam para tal. Mas também tem o processo de investigação sobre as contas de Cunha. E agora são divulgados os "Panamá papers", resultados da pesquisa de um consórcio de jornalistas investigativos, e que revela nomes de centos de políticos brasileiros envolvidos na criação de empresas em paraísos fiscais. Além de ficar fora do alcance da receita federal, as empresas estão sob suspeita de operar a lavagem de dinheiro de propinas e outras atividades ilegais. É difícil dizer como os partidos irão se recompor. Qualquer solução de caráter institucional que houver será uma solução necessariamente instável. Como ter autoridade se eles geraram uma desconfiança completa no funcionamento do Estado? 

Dentro dessa disputa, as classes trabalhadoras não têm meios para pesar na esfera política, não têm instrumentos para isto. Primeiro porque os instrumentos criados no anterior ciclo de lutas, iniciado no final dos anos de 1970, com a criação do PT, não representam a configuração atual da classe e perderam a relação orgânica com ela. Mas também porque estas organizações, do ponto de vista da estratégia política, permanecem coladas ao velho projeto e não vislumbram qualquer outra possibilidade. Elas não têm a confiança, o apoio, o reconhecimento da classe. Então o grosso dos trabalhadores não está se manifestando dentro dessa disputa. De fato, seja nas mobilizações, seja nas campanhas, a classe está observando e desconfia que será usada. O PT está demonstrando a sua forma de operar esta transição, seja com o "Lulinha paz e amor" ou com a sanção da lei anti-terrorismo.

O impeachment seria sim uma reconfiguração das relações institucionais. O que cabe a nós pensarmos é: em que medida esta ruptura vai trazer consigo um aparelhamento veloz do marco repressivo? Enquanto vemos a virulência do conflito nas instituições, apreciamos um aquecimento das lutas sociais, um crescimento em número e em radicalidade: na forma de greves, ocupações e mobilizações; em categorias de trabalhadores, estudantes secundaristas e povos indígenas. Desde 2013, por exemplo, fomos superando o número de greves de 1989 (maior marca desde o golpe de 1964). São greves de categorias de trabalhadores da indústria, da educação, de serviços (não raro precarizados), muitas vezes acompanhadas de ocupações dos espaços de produção, para garantir a fonte de trabalho. Mas vemos também a inclusão de uma nova geração de lutadores, trabalhadores ou filhos de trabalhadores que estudam nas escolas públicas, que realizam ocupações contra o processo de sucateamento e privatização da educação. Assistimos a uma ação ininterrupta de retomadas de terras pelas novas gerações indígenas, ante a paralisia da demarcação e o avance avassalador do agronegócio sobre suas terras. São lutas centrífugas aos polos que disputam na esfera política e não se deixam capturar por eles.

Essas lutas ainda não têm alcance nem continuidade nacional que resultem em novas organizações. A grande preocupação das classes trabalhadoras com relação a esta disputa é em que medida e como serão articulados os dispositivos repressivos, porque eles sim poderão afetar a amplitude dessas lutas. Mesmo essas ações que se recusam a serem capturadas no campo de forças que disputam na esfera política da ordem podem ser afetadas por um marco repressivo velozmente aparelhado. A velocidade que pretende tanto o PSDB e uma parte importante do PMDB pode criar situações muito instáveis.

Sobre essa questão, o elemento externo determinante, os EUA, ainda não tem uma opinião formada e consolidada. O complexo industrial-militar e petroleiro, que tem representação política no Partido Republicano impulsiona toda essa articulação midiática e judicial. Para este setor, a desestabilização e os conflitos localizados criam oportunidades para negócios com lucros extraordinários. O setor do Partido Democrata tem uma visão de conjunto, atentando menos aos interesses de um ou outro setor, e vem apostando numa dominação sem percalços. Ele vê com certa apreensão uma situação que rompa com as instituições republicanas. E, de fato, os governos do PT mostraram capacidade de lidar com os conflitos sociais. O PMDB e o PSDB não possuem essa capacidade de mediação de conflitos, e precisariam lançar mão apenas da força de repressão para realizar a transição. 

Dentro desse quadro todo, a convocação à mobilização por parte do governo e do PT, é feita dentro do marco estreito de manter "respirando com aparelhos" o apoio das organizações sociais. Eles convocam com a contrapartida do gesto isolado de desapropriação de áreas já arrecadadas, mas que mofavam nas gavetas da presidência, para comunidades quilombolas, ribeirinhos ou sem terra e a destinação de recursos para o programa "Minha casa, minha vida", que estava paralisado.

A oposição de direita mobiliza o ressentimento social das camadas médias contra os mais pobres. Alimenta o comportamento policialesco dessas camadas contra os mais pobres, se valendo do discurso da meritocracia. Não apenas na espuma das manifestações midiáticas, mas com consequências na sociabilidade no seu aspecto mais cotidiano.

Os partidos da oposição de esquerda apostam mais uma vez na constituição de frentes que se apresentem como um terceiro polo na esfera política. Reiteram assim a estratégia de procurar o povo aí onde ele não está, sem qualquer diagnóstico sobre a experiência que a classe está fazendo nessa conjuntura. Tanto o chamado para eleições gerais, como a proposta de assembleia constituinte apostam na possibilidade imediata da classe agir como protagonista na esfera política. Mas o cenário entre os trabalhadores é de descrença na participação institucional. Tanto daqueles que estão mobilizados nas lutas sociais, como daqueles que se digladiam em viver sua vida diante da crise econômica. Para eles, a narrativa flexível das novelas pede para continuar trabalhando e sobrevivendo com esperança em tempos melhores que virão. Para se lançar a batalhas maiores e mais decisivas, a classe precisa construir redes de solidariedade a partir dessas lutas parciais. É nas redes capilares da luta que pode se constituir um polo de cultura da classe, potencialmente socialista. 

Não há atalhos, a tarefa é impulsionar as lutas sociais e articulá-las, e não contorná-la.

terça-feira, 15 de março de 2016

A questão indígena no Brasil

Foto: retomada Guarani Kaiowá de Teyi Jusu no MS
Quando José Carlos Mariátegui formulou sua tese sobre a questão indígena no Peru disse que "o problema do índio era o problema da terra". Também falava em "socialismo indo-americano". Tinha dois motivos para tal formulação. O primeiro dizia respeito à formação das classes trabalhadoras peruanas. Afinal, a população peruana era, em 1928, quando ele publicou seus "7 ensaios de interpretação da realidade peruana", Mariátegui calculava que era indígena e camponesa num 80%. Mas ele tinha outra razão muito relevante: os "elementos de socialismo prático" presentes na sociabilidade das comunidades indígenas andinas, os ayllus. Para além dos mal entendidos da época (os estudos sobre a história pré-colombiana eram muito incipientes e atribuía-se aos incas tal sociabilidade -hoje sabemos que é bem mais antiga, remanescente da comunidade primeva) , há, nas comunidades indígenas da América, elementos de uma cultura que permaneceu, mesmo que em forma residual, de um modo de produção e reprodução da vida que não só não é capitalista, mas que conserva traços da sociedade não cindida. É verdade que esses elementos sobreviveram se tornando funcionais às formações econômicas hegemônicas: no caso do mundo andino, primeiro foram funcionais aos sucessivos Estados formados nas grandes sociedades agrícolas da região, incluído o Tanwantinsuyo, e, depois, à integração do território americano ao sistema capitalista mundial, nos sucessivos modelos de acumulação. Mas Mariátegui tinha uma prospectiva de socialismo que se apoiava nessas práticas, num contexto de luta anticapitalista que encontrasse nessa sociabilidade bases de inspiração e de criação prática que se desenvolvessem num sentido universal, saindo da condição residual para se tornar hegemônica, sem passar pelo desenvolvimento capitalista como uma etapa "necessária". 

O procedimento teórico não tinha uma originalidade tão radical. Marx tinha estudado o mir (a comuna eslava) para responder a uma pergunta da inquieta revolucionária russa Vera Zasulich. E estimava que o programa agrário para a revolução socialista na Rússia bem podia se basear na tradição comunal eslava, sem passar necessariamente pelo estímulo à pequena propriedade agrária. A originalidade de Mariátegui foi a de generalizar esse procedimento para a Indo-América. 

Mas, quando os socialistas de Brasil falamos em questão indígena, nos encontramos com outra situação. Por um lado, a atual população indígena no Brasil não passa de um milhão de pessoas. Por outro, e isto é bem importante, nos encontramos com grupos humanos que conservaram teimosamente, muito mais do que as comunidades andinas, uma sociabilidade que se recusa à produção de excedente, à diferenciação social e a qualquer forma de Estado. As culturas que aqui prosperaram antes da chegada dos europeus eram culturas da abundância. E que preferiam correr o risco da falta de recursos para o consumo diferido (em caso de adversidades contingentes) a criar bases para a concentração do poder. Não havia ingenuidade, hoje sabemos, nessa escolha. Provavelmente, foi uma disjuntiva em que todas as comunidades primevas se viram obrigadas a optar. No caso dos indígenas do território que hoje chamamos Brasil, em ocasiões houve tentativas de interromper qualquer desenvolvimento de cisões sociais. O grande movimento "messiânico" dos karai, no século XV, entre os guarani, antes mesmo da chegada dos europeus, denuncia esse gesto. Eles desafiaram a ordem que tendia à cisão social por meio da chamada ao jeguatá, a procura da Terra Sem Mal, que incluía a desarticulação da ordem na troca de mulheres. 

Os europeus não encontraram, no território que hoje chamamos Brasil, formas de exploração do trabalho que pudessem reaproveitar para a acumulação capitalista, como aconteceu no mundo andino ou em Meso-América. Os indígenas neste território preferiram, na grande maioria, fugir para o mato a se submeter ao trabalho forçado, ou mesmo à redução em reservas ou missões. Há nos indígenas do território brasileiro elementos  radicais de socialismo prático, que em outras regiões do  continente já tinham perdido hegemonia fazia até um par de milênios. 

É por esse motivo que os socialistas no Brasil precisamos olhar para os indígenas da região com gesto aprendiz. Como era o mundo antes da exploração de uns por outros? Como era o mundo antes da alienação? E como podemos ser os humanos sem sede de poder sobre os outros? Como podemos ser os humanos numa economia de abundância? Como podemos ser sem destruir o mundo? Muita coisa para aprender.

Mas existe uma realidade que ameaça os indígenas que tinham fugido, durante a colonização, para terras que não interessavam ao capital. Hoje não existe nem um milímetro de território que não interesse ao capital, seja para a produção, seja para a especulação. O avanço do capital sobre o território das comunidades, não só indígenas, senão também as caboclas (aquelas que ficaram a meio caminho entre o mundo indígena e o branco -as que se reproduzem fora do mercado) ameaça o povo e ameaça a terra, a água, o mato como habitat. O círculo virtuoso da vida próprio dos territórios das comunidades primevas é interrompido. O avanço da produção de commodities, seja agrícolas, pecuárias ou minerais, com tudo arrasa. 

Frente a isso, quando parece que nada detém avanço do capital, os povos indígenas resistem. E não apenas resistem: eles têm uma estratégia de recuperação do que foi perdido. Sua renitente recusa a qualquer forma de poder de um grupo social sobre outro os bem orienta. As autodemarcações, que aparecem revestidas de uma legitimidade constitucional, uma vez que realizam, na prática, o que diz a letra do artigo 231 e o 232 da constituição de 1988, têm um sentido mais profundo. Porque se opõem radicalmente ao princípio motor, paradigma do capital: a ideologia que toma como doxa a produtividade econômica, ou seja, o desenvolvimento para a acumulação capitalista, levando a produção de excedente ao paroxismo.  

No caso específico dos guarani, aquela etnia mais organizada "internacionalmente", o lema que esgrimem é "terra, justiça e liberdade". Prestemos atenção no significado que eles dão a "liberdade". Eles se referem a um mundo sem cercas, onde a circulação humana, mas também animal e de pólen não tenha impedimentos. É o jeguatá. Aquilo que nós chamaríamos, muito modernamente, de "corredores ecológicos" e "permacultura", sem os quais o jeguatá, a caminhada indígena, que não carrega mantimentos, se torna impossível. Territórios contínuos de abundância, sem os quais a sobrevivência humana também se tornará rapidamente impossível.

Este texto opta por não tratar a questão indígena como uma questão humanitária centrada nos indígenas, e sim por tratá-la como uma questão centrada no desenvolvimento da humanidade, em termos universais, que é a perspectiva de nós, socialistas.

O debate sobre o mundo indígena pode ajudar também a pensar na sociedade não cindida como prospectiva, como narrativa de futuro: sobre a opressão de classe, sobre a opressão colonial e racial e sobre a opressão patriarcal (sobre as mulheres e os filhos), matriz de todas as outras, segundo reflete Abdullah Öcalan. Quando os europeus chegaram a América, encontraram muitos grupos que resistiam ao patriarcado. O próprio nome dado à Amazônia é um registro desse efêmero encontro. 

Não se trata de um retorno ao passado pré-industrial. Trata-se de recuperar princípios dos quais a cisão social nos desviou. Os princípios vivos nos povos indígenas, e não apenas no campo da sociabilidade, mas também da relação com o ambiente, desafiam-nos a repensar a produção industrial. O norte desta, sob a égide do capital, é a acumulação. O sentido dela é anti-humano, anti-ambiental. Como seria uma economia moderna, e por tanto industrial, orientada para a produção e reprodução da vida? Quais os ramos da indústria que interessam a essa finalidade e quais as transformações necessárias para zerar seu impacto social e ambiental negativo? Como princípios de uma "economia de abundância", sem acumulação de excedente, poderiam orientar essas transformações? Será que os princípios da permacultura , com a conseguinte racionalização dos processos de produção e redução da energia utilizada para o transporte poderia se aplicar à produção para além das atividades agrocopecuárias e a manufatura de baixa tecnologia? A tendência que a finalidade de acumulação firmou, de produção concentrada, com alto impacto ambiental, não poderia ser revertida pela aplicação de princípios da permacultura também à indústria? A formação de corredores de floresta que os ambientalistas reconhecem como imprescindíveis para a recuperação ambiental não podem ser pensados também como corredores de abundância? 

Os povos indígenas são prova de que o poder exercido para a alienação de energia humana e sua redução à força de trabalho não é uma tendência própria da natureza humana. Ele surge em determinadas condições históricas e houve povos que resistiram e resistem ao exercício desse poder. O trabalho alienado não é um valor universal. Ele degrada e torna a vida sub-humana. Os povos das terras baixas não compartilham dessa ideologia segundo a qual o trabalho dignifica.

Por isso, para os socialistas do Brasil, da América e para os socialistas em geral, a questão indígena é fundamental. Entre os povos indígenas, o proletariado da cidade e do campo encontra mais que aliados estratégicos: encontra respostas programáticas contra o capital e para aquele "sonho de uma coisa" do qual falava Marx.

terça-feira, 19 de janeiro de 2016

NOVO ATAQUE CONTRA TERRA RETOMADA DE TEY'I JUSU, COMUNIDADE GUARANI E KAIOWÁ (MS)

Hoje, 19 de janeiro de 2016, pelo menos 6 veículos pertencentes aos fazendeiros da região de Caarapó bloquearam a estrada de acesso à retomada Tey'i Jusu. Cortaram assim a comunicação entre a retomada e a reserva indígena Tey'i Kue, único caminho de acesso para o resto do município.
Isto aconteceu após uma atividade, de 16 a 18 de janeiro, em que os Guarani e Kaiowá de Tey'i Jusu receberam a visita de estudantes e professores da UFGD (Universidade Federal de Grande Dourados) e da UNESP (Universidade Estadual Paulista) do Campus de Araraquara-SP, e movimentos sociais. Na casa de reza da comunidade, houve uma celebração pela suspensão de segurança da reintegração de posse. A retomada de Tey'i Jusu do seu território ancestral começou em dezembro de 2014 e essa suspensão é sentida pela comunidade Guarani - Kaiowá como um avanço e pelos fazendeiros da região como uma derrota judicial. Houve uma caminhada com os visitantes pelo Tekoha (território, "lugar onde se é") antigo e aulas públicas com a comunidade.
Ontem, por volta das 16:30 hs, uma caminhonete azul marinho passou e se deteve para os seus ocupantes tirarem fotos dos membros da comunidade e seus visitantes. (Ver vídeo anexo.)**

É preocupante que isto aconteça após a saída dos visitantes, se tratando do descumprimento das decisões da justiça que barrou a reintegração. Ainda agravado pelo histórico da retomada da terra, que conta com um assassinato no 8 de dezembro de 2014 com desaparecimento do corpo da jovem Júlia, após um ataque a bala sofrido pela comunidade por pistoleiros de tocaia na trilha que une a sede da fazenda mais próxima com o Tekoha. Antes e depois desse dia houve vários ataques de matadores profissionais. A comunidade em massa, apesar de desarmada, conseguiu, corajosamente, reter 4 desses homens que, armados com bombas de gás, fuzis e pistolas, circularam ameaçadoramente, às 10:00 hs e os retiveram até a chegada, às 15:00 hs, da Polícia Federal, que nada fez além de devolver as armas para esses homens, que voltaram com elas para a sede da fazenda.

Desde outubro de 2015, a comunidade vem sofrendo ataques químicos dos fazendeiros sobre a área da retomada por avião e por meio do "formigão" (grande maquinário terrestre), que também derrubou casas do Tekoha (ver vídeos em anexo)*. Ataques esses que se intensificaram no mês de dezembro, prévio à decisão judicial de suspensão de segurança. Esses episódios e os relatados no parágrafo anterior estão documentados e na mão do Ministério Público.
Rondas constantes e tentativas de sequestro vem sendo realizadas pelos empregados dos fazendeiros da região. Há registros fílmicos das denúncias desses episódios . 
Na região de Caarapó, é evidente a presença da soja e da cana de açúcar moída pela usina da Raízen (empresa transnacional -fusão da Cosan com a Shell), destino da produção das fazendas locais.

Isto acontece no contexto da paralisação das demarcações das terras indígenas pelo governo federal, a lentidão dos processos em mãos do poder judiciário e a redução do orçamento da FUNAI (Fundação Nacional do Índio). Ao mesmo tempo, há, na região do sul de Mato Grosso do Sul, um avanço da fronteira da cana de açúcar, da soja, da pecuária bovina e do eucalipto.
BASTA DE AGRESSÕES DO ESTADO E DOS LATIFUNDIÁRIOS CONTRA OS POVOS INDÍGENAS!
TERRITÓRIO, JUSTIÇA, E LIBERDADE.
CEIMAM - Centro de Estudos Indígenas Miguel Ángel Menéndez
MST - Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
Coletivo de Agroecologia Resistência Tekoha
Organização Canudos
**link para o vídeo que retrata o fazendeiro que invadiu a Retomada Tey'i Jusu:
https://www.youtube.com/watch?v=4HWD8Z1n_WI

terça-feira, 27 de outubro de 2015

Reestruturação da graduação na UNESP: um golpe no ensino público superior

No último dia 29 de setembro o Pró-Reitor de Graduação da UNESP, o Prof. Laurence Duarte Colvara, participou de um debate promovido pelo Centro de Estudos e Práticas Pedagógicas (CENEPP) [1] da UNESP-Bauru, cujo assunto seria a reestruturação dos créditos dos cursos de graduação da UNESP. Esta medida é embasada nos despachos 218/2015 [2] e 308/2015 [3] da Comissão de Ensino, Pesquisa e Extensão (CEPE) da UNESP, da qual o Prof. Laurence é o presidente. Nos referidos despachos consta um estudo de 2 anos realizado pela CEPE “para reestudar a definição da carga horária frente à legislação da Unesp sobre o artigo 57 da Lei nº 9394/96, de forma a permitir inovações” [4].

Para tal, a proposta da CEPE consiste diminuir em 50% a carga horária de aulas presenciais, definindo que os créditos das disciplinas deverão ser cumpridos da seguinte maneira: 1 hora em sala de aula para cada hora de estudo/preparação de aula/atividade dirigida etc. Este ponto é expresso no trecho do despacho 218/2015:

[...] o Conselho deliberou, por unanimidade, aprovar o relatório apresentado pela comissão, no que se refere à redefinição de crédito, em que o crédito, agora dito generalizado, passa a computar 30 horas de efetivo trabalho discente e docente, e, para guardar correspondência com o crédito tradicional, 15 horas serão aula, considerando a hora-aula como 1 hora (60 minutos) de atividades didática, teórica e/ou prática, envolvendo professor(es) e estudante(s), com interação seja em formato presencial ou sincronizado.
Passaremos agora, para a análise do que significa os termos acima.

Analisando com mais detalhes

O relatório do despacho 218 destaca:

[...] que o crédito tradicional quantifica exclusivamente o montante de 15 horas-aula, e que a Regulamentação do Artigo 57 da LDB editado pela Unesp em 1998, estabelece que o docente despende, a cada hora-aula uma outra para preparação, avaliação e acompanhamento de alunos. Sem confrontar com a conceituação expressa na mencionada Regulamentação explicita-se agora que a aula pode se constituir de preleção (necessariamente presencial ou sincronizada) e atividades supervisionadas pelo professor [...]

Ficou difícil de entender? Não se preocupe, o próprio documento tem um relatório. Seu ponto V é um glossário, vejamos: 

hora-aula - 1 hora (60 min) de atividade didática envolvendo professor(es) e estudante(s), de forma presencial ou sincronizada.
aula presencial - aula que acontece com estudantes e professor(es) em um único ambiente físico.
aula sincronizada - aula que acontece com estudantes e professor(es) não necessariamente em um único ambiente físico, mas simultâneos.
crédito - unidade de quantificação de efetivo trabalho do docente e do discente.
crédito tradicional - unidade composta por 15 horas-aula.
crédito generalizado - unidade composta por 30 horas de atividades discentes, incluídas aulas, atividades supervisionadas e estudo individual. (Pág. 5)
Note que a descrição de “aula sincronizada” é, na verdade, definição para uma modalidade de Ensino à Distancia (EaD). O documento adverte que foi consultada uma equipe de especialistas nas áreas de: Educação a Distância (EaD); European Credit Transfer System (ECTS); Problem Based Learning (PBL) e etc (Pág. 4).

O documento apresenta também uma citação, na qual define como deveria ser uma aula:

Isso não significa que as cargas horárias totais dos cursos [...] precise ser integralizada exclusivamente em atividades teóricas em sala de aula, nem que estas atividades devam ser realizadas obrigatoriamente em períodos de 60 minutos.
Desse modo, mesmo em uma atividade teórica ("sala de aula"), uma IES [Instituições de Ensino Superior] poderá diversificar e flexibilizar suas atividades acadêmico-pedagógicas, distribuindo as horas de trabalho dos estudantes em aulas presenciais, não presenciais e atividades complementares (seminários, palestras, visitas, estudos dirigidos etc). (Pág. 8)

Para ficar ainda mais visível, o documenta traz na página 8 o seguinte quadro da distribuição dos créditos:

Clique na imagem para visualizar


Precarização do ensino.


O que está por detrás do documento é um projeto de precarização do ensino na UNESP, que diminui o conteúdo teórico das disciplinas, secundarizando as aulas e, para completar o cenário, “resolve” o problema da falta de professores colocando-os para ministrar um maior número de disciplinas.

Com a nova organização da distribuição de créditos, os professores serão obrigados a lecionar uma maior quantidade de disciplinas, devido à redução de 50% da aula presencial, terão que preparar mais aulas para disciplinas diferentes, diminuindo a qualidade do ensino.

Além disso, diminuirá o papel do professor como mediador no processo de ensino-aprendizagem do estudante. Aumentando a preponderância do estudo individual e reduzindo as oportunidades de debate coletivo. Este é um grande ataque ao ensino superior público na UNESP que impulsiona a penetração do ensino a distância sem quaisquer debates, respondendo à falta de docentes sem novas contratações.

CONTRA A REESTRUTURAÇÃO DA GRADUAÇÃO!


Não podemos nos enganar, esta reestruturação esvazia a função social da universidade e atende a critérios econômicos estranhos a sua finalidade de socializar o conhecimento. A reestruturação administrativa ataca a atividade fim da universidade e vai contra o ensino público, gratuito e de qualidade para a população pobre e trabalhadora deste país, que paga seus impostos e a financiam.

Isso justamente num momento em que houve a implantação da política de cotas na UNESP [5], o que tem possibilitado um maior acesso da população ao ensino superior público e gratuito.  Este é um projeto que vem em conjunto com os cortes de projetos de extensão voltados à comunidade, no material e bolsas nos cursinhos populares da UNESP, na expulsão de crianças de 4 e 5 anos dos Centros de Convivência Infantil, na insuficiência das políticas de permanência estudantil, entre outros.

É fundamental notar que este processo se impõe silenciosamente, de forma a evitar o debate. Precisamos de uma forte organização para lutar em defesa da universidade pública, gratuita e de qualidade, ligando-nos à demanda geral de uma educação de qualidade para todos, que tenha em vista o atual processo de reestruturação do ensino público ensejado pelo governador Geraldo Alckmin.

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Notas:
[4] - Início do despacho 218/2015 da CEPE.


sábado, 12 de setembro de 2015

O "golpe" já aconteceu

A onda de desemprego prepara a blindagem dos empresários para se acolher mais à frente no novo marco de legislação trabalhista. As chacinas contra a juventude da periferia e os indígenas adiantam-se a outro marco legal que busca manter na linha a “população excedente” da cidade e retroceder na política de demarcação das terras indígenas, que já se anuncia na “Agenda Brasil”. Também aponta para esse novo marco legal a redução da idade de responsabilidade penal. 

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Quando falamos em “golpe”, “golpe de Estado”, temos em mente: 1- a instauração de ditaduras militares, 2 - recesso do congresso, 3 - fim das eleições diretas, 4 - perda de direitos trabalhistas, 5 – crise econômica e 6 - muita repressão pelos militares. Atualmente os três primeiros exemplos acima citados são, inclusive, desnecessários para os três últimos. Aqueles que alardeiam quanto a um “golpe” não veem que já estamos sofrendo um duro golpe escondido sob a defesa da “democracia” para poucos. Ao fim do texto apresentamos um quadro que caracteriza o golpe do qual falamos.

Nos noticiários vemos inúmeros alardes sobre a crise que paira sobre o país: altos preços dos alimentos, demissões em massa, falências de empresas, entre outros. Isto é, vivemos a pior crise econômica dos últimos 20 anos. Os ataques não se apresentam apenas no nível econômico, mas na violência policial, como na chacina de Osasco (SP) e o acirramento dos ataques dos fazendeiros contra os indígena no Mato Grosso do Sul (MS). Todo esse quadro afeta o cotidiano da população. Porém, qual é o pano de fundo desse cenário?

Um momento de crise significa, em suma, que a possibilidade de manter os lucros dos capitalistas está se esgotando ou se estreitando. Nos noticiários não é raro vermos as “taxas de crescimento da economia” e “aumento do PIB” como índices que, sem muita explicação, caso diminuam de um ano para o outro, já tornam o quadro da economia alarmante e justificam a piora da condição de vida dos trabalhadores.

Neste momento os investidores estão repensando como e onde irão investir seu dinheiro tendo o maior retorno possível em lucro. Isto significa que também precisam excluir competidores, diminuindo o número dos ganhadores e redistribuindo entre esses poucos o poder de decisão. Exemplo disto é que os grupos antes beneficiados, no período 2002-2010, estão perdendo espaço de subsídios e investimentos, como a indústria de transformação e as construtoras, porém, setores como o agronegócio continuam beneficiados [1]. A isto chamamos de realinhamento na esfera econômica.

Consequência disto é que os governos dos países são pressionados a reduzir os “custos” para aumentar os lucros. Com “custos” queremos dizer o montante destinado aos salários (remuneração da força de trabalho) e os recursos gastos pelo Estado em políticas sociais como saúde, educação, redistribuição de renda, direitos trabalhistas, previdência etc. Isto, que consiste no aumento da exploração da força de trabalho, é necessário para atrair investimentos e aumentar a competitividade nacional, diminuindo o chamado “custo Brasil”.

Vivemos o fim de um ciclo de expansão econômica, ou seja, de “crescimento”, e entramos num período de reconcentração que exige um novo marco político e legal que crie as condições necessárias para uma transição segura. Esse realinhamento na esfera econômica requer, em países de capitalismo dependente e subordinado, como o Brasil, definir, na esfera política, os operadores desta transição.

No atual cenário político, o “Fla x Flu” entre PT e PSDB que assistimos durante a campanha eleitoral de 2014 e continuou até pouco tempo atrás, com as ameaças de impeachment, que tinha como argumento central a desaprovação das contas da presidenta Dilma Rousseff pelo Tribunal de Contas da União (TCU), foi a exacerbação de uma disputa para ver quem apresenta melhores condições de operar essa transição que já foi desenhada na esfera econômica.

O caso da “Agenda Brasil” (ver quadro abaixo) é elucidativo. A ameaça de impeachment alardeado pela direita e até mesmo por partidos da base do governo Dilma, como o PMDB, foi um instrumento importante para os projetos que preveem uma grande retirada de direitos sociais. Graças a tais ameaças, o atual ministro da fazenda, Joaquim Levy, representante do capital bancário, promoveu uma tensa unidade entre a federação dos bancos (FEBRABAN) com a federação da indústria (FIESP), nesta proposta feita por Renan Calheiros, presidente do Senado e membro do PMDB [2]. Esse chamado “acordão” tende a colocar a esfera política em sintonia com a dinâmica dos interesses e necessidades econômicos. Após isto, toda a base do congresso que estava em prol do impeachment recuou e até mesmo as organizações Globo deram um golpe de timão mudando seu editorial de apoio ao golpe para um chamado à “governabilidade”.

Em nome dessa mesma “governabilidade”, a presidenta Dilma e o Partido dos Trabalhadores (PT) fazem coro a necessidade de encampar estes retrocessos. Cabe perceber que o impeachment era uma saída desgastante, arriscada e desnecessária para reenquadrar as políticas públicas nas necessidades de rápida concentração que o capital tem. Mas, a campanha que girou em torno do impeachment serviu para desviar as atenções e acelerar a imposição do novo marco legal e de políticas públicas. A urgência responde à intenção de evitar resistências e disciplinar as classes trabalhadoras: para elas, tratamento de choque.

A “Operação Lava-Jato”, que serviu para desgastar o governo federal ante o grande público, vem servindo, inadvertidamente, para transferir parte substancial das obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e do Programa de Investimento em Logística (PIL) para novos investidores nacionais e internacionais. Uma das consequências deste novo realinhamento, como vimos com a viagem de Dilma e Levy para os EUA no primeiro semestre [3], foi abandonar boa parte das relações comerciais com países da América Latina e se articular com os interesses do bloco estadunidense, exemplo nítido disto é que a própria “Agenda Brasil” prevê a desarticulação do Mercosul.

Os cortes na educação com o chamado “ajuste fiscal” intensificam o quadro. Com os cortes de verbas, o já falido sistema básico chega ao limite, projetos de melhoria da educação começam a retroceder, com o fechamento de salas e a falta de professores. Também se colocam nesse bojo o corte de verbas para a construção de creches, uma das evidencias de que o maior peso desta crise irá cair sobre as mulheres.

Também a SEPPIR (Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial), a SPM (Secretaria de Política para as Mulheres) e a SPJ (Secretaria de Políticas para a Juventude) estão ameaçadas de acabar [4].

Do lado de baixo do tabuleiro, as classes despossuídas, que têm tudo a perder com essas medidas, precisam ser controladas para a garantia do sucesso do projeto. Os projetos da lei de antiterrorismo, redução da maioridade penal (ver quadro), bem como o fortalecimento das forças armadas nacionais são os dispositivos de controle desta articulação. As recentes chacinas de Osasco e os ataques dos ruralistas contra os indígenas no Mato Grosso do Sul antecipam a tragédia social que se vislumbra para o Brasil.

A reestruturação da classe trabalhadora aumentou a fragmentação entre os setores, pela via da terceirização, agora regulamentada e intensificada pelo projeto de lei 4330 (ver quadro), da dispersão geográfica da produção e da constituição de uma camada de trabalhadores especializados de “alto padrão”.

Nos embates internos do PT, originalmente instrumento de organização da classe trabalhadora e representante do ciclo de lutas dos anos 80, acabou vencendo a tendência que administrou o período de expansão do capital, desarticulando os organismos de classe (sindicatos, movimentos sociais, etc.) e integrando-os ao Estado. O resultado disso foi que a trajetória de lutas dos últimos 20 anos em nosso país não conseguiu instabilizar a dominação burguesa, e tão pouco deixou um legado combativo para o enfrentamento dos ataques aos nossos direitos.

Esse fio interrompido na década de 90 ainda não foi reatado. Tal falta de organicidade tem configurado um obstáculo para as classes trabalhadoras se lançarem na disputa política para defender suas próprias causas, libertando-se das relações de cooptação política a reboque dos interesses e das necessidades das forças que dominam a ordem existente. Tem, até mesmo, inviabilizado uma resposta nacionalmente integrada da classe trabalhadora que faça frente aos ataques diretos do grande capital, entre outros, o representado pela “Agenda Brasil”. Este estado de coisas dificulta a resistência, mesmo numa conjuntura em que afloram greves e mobilizações por todo o território nacional.

Faltam lutas contínuas com força suficiente para contagiar e aglutinar os elementos dispersos nacionalmente em eixos comuns de ação. A extrema fragmentação dos movimentos sociais e da própria classe trabalhadora, junto com o total descrédito em que as organizações do ciclo PT se colocaram, nos alerta para o fato de que o golpe já ocorreu ante a intensificação da exploração da força de trabalho. É preciso reagir imediatamente.


Marco legal do “golpe”
  • O maior ajuste fiscal da história do país que, em termos nominais, reorientou o montante de R$ 70 bilhões antes destinados a áreas essenciais para o pagamento de juros da dívida pública.
  • Medidas Provisórias (MPs) 664 e 665, que dificultam e diminuem a possibilidade de obtenção de seguro desemprego e aposentadoria.
  • Projeto de Lei 4330 (PL), que permite a terceirização da atividade principal da empresa. 
  • Mudança no caráter dos investimentos dos fundos de pensão, liberando aplicação de recursos para especulação financeira.
  • Medida Provisória 680 (MP), o chamado Programa de Proteção ao Emprego (PPE), que permite diminuir a jornada de trabalho e o salário em até 30% e muda o pagamento dos abonos salariais do PIS/PASEP.
  • Proposta do fim da união aduaneira com o Mercosul e abertura comercial com os EUA.
  • Proposta de Emenda à Constituição 171 (PEC) que reduz de 18 para 16 anos a idade penal para crimes hediondos, homicídio doloso e lesão corporal seguida de morte.
  • Proposta de Emenda Constitucional 215 (PEC) que confere ao Congresso Nacional a competência exclusiva da aprovação de demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios e revisão das demarcações já homologadas.
  • Projeto de Lei 867 (PL), que impede ao professor falar em política em sala de aula.
  • Projeto de Lei 131 (PL), do senador José Serra (PSDB-SP), que tramita em regime de urgência no senado e visa transferir para multinacionais os lucros com a exploração dos recursos do pré-sal.
  • Projeto de Lei 5807 (PL), que define um novo marco regulatório para o setor de mineração no Brasil abrindo territórios das comunidades tradicionais para a exploração extrativa.
  • Plano “Brasil Pátria Educadora” que destina grande parte dos recursos públicos da educação para instituições privadas.
  • Projeto de Lei 2016 (PL), que caracteriza como terroristas as manifestações políticas equiparando-as ao uso de explosivos nucleares.
  • “Agenda Brasil”
Traduzindo os pontos da “Agenda Brasil”
  • Proteção legal para investimento privado em concessões e privatizações na forma de Parcerias Público Privadas (PPP) através do desmonte das agências que põem limites aos impactos ambientais e sociais, flexibilizando as leis trabalhistas, desregulamentando a atividade extrativa, a proteção ambiental e do patrimônio histórico e retrocedendo na demarcação das terras indígenas, bem como estimulando megaeventos em detrimento do bem público e relativizando os estudos de impactos sociais e ambientais nas obras de infraestrutura. 
  • Busca de equilíbrio fiscal por meio da redução de impostos sobre o patrimônio e aumento de impostos sobre a renda, da desvinculação de receitas orçamentárias em áreas essenciais, privatização de patrimônio público, caracterização do investimento das estatais como gasto público, impossibilidade de ajuste salarial para os servidores públicos.
  • Desmonte da proteção social que acaba com o princípio da gratuidade do Sistema Único de Saúde (SUS) e realoca os investimentos em educação para o pagamento da dívida pública.
  • Isenção de impostos para as empresas, desoneração delas pela redução da folha de pagamento e acesso a fontes de financiamento público.


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[1] – No período 2002 a 2010, as construtoras e a indústria de transformação, aliadas ao agronegócio e à mineração, conformaram a chamada “frente neodesenvolvimentista”, e receberam amplo crédito de fundos tirados dos trabalhadores via Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Todos os setores perderam força pela queda do preço das commodities e pela retração do comércio internacional. A crise obriga a uma diminuição no poder de compra pelo corte das políticas sociais, o que afeta diretamente a indústria de transformação. Testemunhamos hoje um deslizamento nessa “frente”, com uma aproximação do agronegócio ao capital bancário e financeiro. 


[3] –“ A viagem de Dilma Rousseff aos EUA e os novos alinhamentos do capitalismo” http://coletivocanudos.blogspot.com.br/2015/07/a-viagem-de-dilma-rousseff-e-os-novos.html 

[4] –“ Acabar com a Seppir não reduz gastos e é retrocesso no combate ao racismo” http://www.geledes.org.br/acabar-com-a-seppir-nao-reduz-gastos-e-e-retrocesso-no-combate-ao-racismo/#gs.8a2303f3e3a4454aa7a518acee8316af 

domingo, 23 de agosto de 2015

A luta por cotas na Unesp


Os recentes casos de pichações racistas em Bauru, com os escritos “negras fedem”, “Juarez macaco” entre outros, recentemente chocaram a UNESP e a sociedade, por demonstrar que o racismo é algo que existe, é cotidiano e não acontece somente nos Estados Unidos e África do Sul. Cabe lembrar que isto não é um caso novo, só para citar exemplos em 2012 houve a pichação “Sem cotas para os animais da África” no campus de Araraquara e também “Thaís negra macaca fedida”, contra militante negra do campus de Presidente Prudente.

Fica evidente que isto é uma resposta ao aumento da população negra dentro das universidades, advindas do programa de cotas adotado na UNESP a partir de 2013. O que não é dito é o motivo pela qual essa é a única das três universidades paulistas que adotou o programa. Geralmente se diz “A UNESP adotou a política de cotas”. Isto soa quase como uma benevolência da instituição, que gentilmente cedeu este avanço.

Neste texto queremos resgatar a história da luta pelas cotas na UNESP no ano de 2013, para demonstrar que foi a muito custo que foi arrancada essa conquista e que ali e muito antes, já se demonstrava o racismo que permeava a recusa deste programa, seja por parte da comunidade acadêmica ou da administração dessa universidade.

Lutas por cotas

A luta por cotas raciais e sociais nas universidades data dos anos 90, com o ascenso dos movimentos negros no Brasil colocando a pauta racial e a necessidade de políticas de ação afirmativa (reparação histórica) da condição social do negro em nossa sociedade. Com muita luta a UNB foi a primeira universidade do Brasil a ter uma política de cotas raciais a partir do ano de 2004, porém foi só no ano de 2012 que foi aprovada a lei de cotas raciais e sociais para as universidades federais brasileiras e reafirmada pelo STF. Mesmo após a lei, muita resistência foi encontrada na sua implantação.

Foi dentro deste contexto que começou a ganhar força a pauta de cotas raciais e sociais nas universidades estaduais paulistas. Por exemplo, em novembro de 2012, militantes negros ocuparam a reitoria da UNESP num ato de protesto para a implantação da política de cotas na universidade [1].

O golpe do PIMESP

Sob a pressão das lutas por cotas, o governo do estado de São Paulo, na figura do governador Geraldo Alckmin (PSDB), propôs o Programa de Inclusão por Mérito do Estado de São Paulo (PIMESP). Este foi o maior golpe às lutas do movimento negro pelas cotas. Explicaremos por quê.

Tal programa, escrito por Carlos Vogt então diretor da UNIVESP (Universidade Virtual do Estado de São Paulo), propunha que o estudante que ingressasse por meio de cotas na UNESP iria cursar dois anos de um “curso preparatório”, para, após isto, se aprovado com nota sete, o estudante pudesse enfim adentrar em algum curso de graduação de alguma das três estaduais paulistas ou da FATEC. O projeto era inspirado nos colleges estadunidenses.

O dito “curso preparatório” consistia em um curso semipresencial que possuía em seu projeto disciplinas como “Gestão de Tempo”, “Matemática Financeira”, “Liderança e Trabalho de Equipe”, entre outros. Junto a isto, após terminar o curso de dois anos, o estudante receberia um diploma de ensino superior. As problemáticas de tal proposta eram enormes. Em primeiro lugar, esse curso preparatório consistia numa grade curricular que pouco e nada tinha relação com o curso para o qual o candidato pretendia se matricular. Apenas era um curso de caráter profissionalizante obrigatório. Fica nas entrelinhas a intenção de desviar o aluno do seu projeto inicial de formação acadêmica para tentá-lo a se transformar em força de trabalho com qualificação técnica para o mercado. Os argumentos esgrimidos sobre a necessidade de “nivelar” a formação com que os cotistas chegariam à universidade e reparar um possível ensino defasado do estudante não guardavam correspondência com a grade curricular.

Sob as mais diversas condições, tal projeto além de aumentar os anos necessários de formação destes estudantes, demonstrava ser mais um projeto de precarização do ensino e exclusão do ensino superior da população negra e pobre de nosso país. Para uma população já subalternizada de todas as oportunidades e condições sociais o governo do estado de São Paulo e os gestores das universidades estaduais colocavam uma exigência de “Mérito”. (Como se os cotistas merecessem menos que os que tiveram oportunidades durante sua formação fundamental e média.). A intenção era a de não romper o elitismo das universidades públicas, pagas à custa dos trabalhadores deste país, formar uma mão-de-obra barata, aumentar o tempo de formação do estudante cotista, assim criar barreiras que inviabilizariam uma política de cotas efetiva. Os reitores das universidades paulistas já demonstravam seu apoio ao projeto [2].

Os movimentos negros e estudantis imediatamente começaram a denunciar o golpe gestado pelo governo, iniciando um período de lutas em diversos âmbitos. Porém, em pouco tempo a UNESP se mostrou o polo desta luta e a única que conseguiu levar tal mobilização para a vitória.

Luta na UNESP em 2013.

A luta na UNESP adquiriu outros contornos com o seu desenvolver. Sendo ela a menos elitizada das três estaduais paulistas [3] e também com menos condições de permanência estudantil [4], estouram as lutas na UNESP com a greve das unidades de Ourinhos, Assis e Marília.

Ressaltamos um ponto importante, Ourinhos, a primeira unidade a declarar greve estudantil naquele momento, é uma unidade do projeto da UNESP chamado de “Unidades Experimentais”. Este projeto prevê que a UNESP seja responsável pelo custeio do corpo docente, enquanto os municípios seriam responsáveis por todo o restante. O resultado é desastroso: surgem universidades sem quaisquer condições de exercer as atividades, não possuindo espaço próprio, bibliotecas, restaurantes universitários e outros. Um claro projeto de universidade que só aceita aqueles que têm condições de, além de passar pelo filtro do vestibular, poder pagar para estudar em outra cidade.

Deste modo, com quatro eixos de pautas se inicia uma das maiores greves da UNESP, tendo no setor dos estudantes a ponta de lança de um movimento estadual, sendo elas: -Cotas Sim! Pimesp Não!; -Permanência Estudantil; -Democracia na Universidade; -Não à repressão aos movimentos sociais. Em pouco tempo a greve conseguiu agregar o setor dos servidores não docentes e servidores docentes, exigindo equiparação salarial e em total apoio e luta pelas pautas do movimento estudantil.

Em seu ápice, o movimento atingiu 12 unidades com greve estudantil, 11 unidades com greve de servidores técnico-administrativos e seis unidades com greve de servidores docentes. Manifestações massificadas, com cortes de rodovia, aulas públicas, entre outras iniciativas, colocaram em questão o fato da UNESP ser uma universidade branca e elitista. Muitos estudantes, até então fora das lutas, acabaram por realizar suas primeiras experiências e transformaram sua concepção de mundo nesta mobilização.

Em julho do mesmo ano o movimento estudantil, perante a intransigência da reitoria em negociar suas pautas, ocupou o prédio da reitoria da UNESP em São Paulo. Desta ocupação o movimento saiu com uma pauta de negociação em que garantia a implantação da política de cotas, bem como outras pautas como bolsas-auxílio e a criação de uma Comissão Permanente de Permanência Estudantil (CPPE), composta por estudantes, servidores docentes e técnico-administrativos de maneira paritária.

Em total foram mais de três meses em greve, e ocupações de direções, de campi universitários em diversas unidades do interior de São Paulo e, em agosto, a reunião do Conselho Universitário da UNESP veio a ratificar a implantação das cotas na universidade. Tal implantação se deu não pelo projeto defendido pelo movimento estudantil, que queria garantir maior proporção para as cotas raciais, aderindo à proposta da Frente Pró-Cotas do Estado de São Paulo [5], porém, ainda assim o resultado caracterizou um avanço que enfrentava forte resistência da instituição.

O mito do “racismo cordial” universitário

As atuais ações racistas perpetradas na universidade estão longe de serem casos isolados ou ações pontuais. Vivemos em uma universidade extremamente racista, que exclui e subalterniza a população negra. Tal relação é um projeto intrínseco à própria UNESP, não é pouco lembrar que nosso patrono, Júlio de Mesquita Filho, advindo da família dos criadores do jornal O Estado de São Paulo, fala em um de seus discursos:

"Nós temos que cuidar muito do organismo político brasileiro, e não podemos dar direito de voto a determinadas regiões, porque o organismo brasileiro é meio teratológico, cresceu de um lado e não se desenvolveu de outro [...] Ocorreu na sociedade brasileira um problema seríssimo, foi incorporada à cidadania a massa impura e formidável de dois milhões de negros, que fizeram baixar o nível da nacionalidade, na mesma proporção da mescla operada" [6].
Como um “problema de origem”, as universidades públicas brasileiras tiveram forte papel na subalternização de populações e na perpetuação do racismo em nossa sociedade. De alguma maneira, a universidade leva a matriz de pensamento marcado por intelectuais como Raymundo Nina Rodrigues, um dos que constituiu o racismo científico à brasileira.

Um Balanço do Movimento

O movimento desencadeado na UNESP foi um importante avanço na pauta das classes trabalhadores e negras do Brasil. Porém, é preciso fazer um balanço para as lutas que virão. Esta foi a primeira experiência da grande maioria dos que se dispuseram a levar tal mobilização adiante. Os debates eram ainda escassos e a falta de experiência fez com que nos precipitássemos em alguns momentos. 

No movimento, a atuação de militantes negros, mesmo que poucos, dada a constituição da universidade pública naquele momento, bem como o contato com movimentos fora da universidade – por exemplo, a Frente Pró-Cotas do estado de São Paulo - foram fundamentais para pautar a particularidade da demanda étnico-racial e orientar a mobilização. Contudo, foi a ação unificada que conseguiu fazer uma forte crítica ao elitismo e ao racismo universitário e desencadear tal luta.

A estratégia da Frente Pró-cotas, contudo, consistia em um projeto de lei de iniciativa popular a ser apresentado na ALESP, com coleta de assinaturas. O movimento estudantil aderiu a tal campanha e coletou assinaturas, porém a luta institucional já se mostrava infértil. O projeto de lei não avançou e o legislativo não demonstrou qualquer empatia para com a proposta.

Hoje a UNESP, devido a suas greves, ocupações, mobilização, é a única com cotas raciais e sociais, sendo que a USP oferece migalhas de vagas para serem disputadas no ENEM e ainda a UNICAMP está na luta por implantar cotas em sua universidade.

Apesar da importante conquista, o movimento ficou com uma ponta sem nó. Já sabíamos que as cotas não poderiam se concretizar caso não se ampliassem as políticas de permanência estudantil, já escassas naquele momento. Dito e feito, no ano de 2014 diversos estudantes foram expulsos das moradias estudantis e seu acesso foi cada vez mais restrito. A proporção de negros na universidade é visivelmente maior, porém muitos chegam na universidade e retornam para suas cidades no instante seguinte, sem condições de permanecer, e muitos que dependiam destas políticas anteriormente estão perdendo seu acesso. Sem políticas de permanência, as cotas não garantem o acesso real dos cotistas à universidade.

O movimento também não foi capaz de avançar deste primeiro estágio de articulação “espontânea” para um movimento organizado. No ano de 2014 foram cometidos muitos erros e a mobilização foi derrotada para os estudantes. A ação organizada é uma necessidade que poucos questionam, enquanto anteriormente o autonomismo – ou o movimento que girava em torno de si mesmo – era ovacionado. 

Mostra-se, de fato, que a luta por superar contradições de classe e étnico-raciais são inseparáveis e que somente a união dos subalternizados através da luta massificada podem arrancar as demandas para a população negra, pobre, trabalhadora, das mulheres e LGBT+’s.

Para além disto, o movimento estudantil deve se entender no contexto geral da luta dos subalternos de nosso país e abandonar, de uma vez por todas, seu clássico corporativismo. O caráter branco e elitista da universidade volta a se colocar com os cortes gerais na educação, de restrição no uso das creches, de projetos de extensão, desmonte dos cursinhos universitários, e precisamos, com uma luta orgânica e organizada, enfrentar estes ataques.

A conquista das cotas já demonstra seus efeitos, porém precisamos avançar na luta por criar condições para que esta política seja efetiva. Precisamos nos debruçar sobre experiências como esta de 2013 e construir uma nova mobilização.

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[1] - http://educacao.estadao.com.br/noticias/geral,militantes-do-movimento-negro-ocupam-reitoria-da-unesp,959812
[2] – Debate entre reitores da USP, UNESP e UNICAMP sobre o PIMESP: https://www.youtube.com/watch?v=UOtWtT6TbUg
[3] – só como parâmetro, a matrícula para o vestibular de 2012: http://www.estadao.com.br/noticias/geral,unesp-e-unicamp-incluem-mais-rede-publica-que-usp-imp-,862307
[4] – Chamamos de permanência estudantil as políticas voltadas para a permanência de estudantes socioeconomicamente carentes na universidade como moradias estudantis, restaurantes universidades, bolsas-auxílio, entre outros.
[5] – http://frenteprocotasraciaissp.blogspot.com.br/2013/07/coleta-de-assinaturas-projeto-de-cotas.html
[6] – fonte: http://www.brasildefato.com.br/node/12887

domingo, 5 de julho de 2015

A viagem de Dilma Rousseff aos EUA e os novos alinhamentos do capitalismo

Encontro de Dilma com Obama ocorrido na última semana

A viagem da presidenta Dilma Rousseff aos EUA, com toda a carga simbólica do encontro com Obama e Kissinger[1] e com todos os desdobramentos não explicitados, é um episódio revelador. 

Houve um resfriamento das relações Brasil-EUA, cujo argumento foi a espionagem estadunidense ao Brasil denunciada pelo Wikileaks, e que serviu para justificar a intensificação da integração do Brasil na articulação conhecida como BRICS (Brasil-Russia-Índia-China-África do Sul). Esse alinhamento era apresentado como uma iniciativa de independência com relação ao imperialismo norte-americano. Com a atual reaproximação com os EUA demonstra-se que o projeto de substituir o modelo estadunidense por um modelo de desenvolvimento nacional é uma falácia.

O realinhamento está sendo forçado por uma nova onda de concentração do capital, frente ao qual o BRICS é chaveirinho de criança.  A onda da qual falamos visa a concentração do poder de concorrência de empresas norte-americanas e europeias, desarticulando os BRICS. No caso brasileiro, é essa tendência que está levando adiante a “Operação Lava Jato”, que vem paralisando as obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), a menina dos olhos dos governos do PT. As obras do PAC serão retomadas porque são necessárias à expansão dos negócios, mas estes responderão a setores externos mais concentrados. E a viagem da presidenta aos EUA se dá nesse marco. 

Na reunião com banqueiros e empresários a presidenta sinalizou a disposição para que o Brasil tenha uma “economia mais aberta e competitiva”. Aponta, assim, para um abertura que foi derrotada em 2005 quando a proposta da ALCA (Área de Livre Comércio das Américas) foi rejeitada. 

Ao mesmo tempo, as deliberações no congresso a propósito da redução da maioridade penal também se articulam com essa tendência. Visam criar um marco legal para aumentar o componente repressivo e diminuir as políticas “sociais”, posição quase que unânime em todo congresso. Mesmo políticos contrários à redução da maioridade penal faziam, em sua maioria, falas que apontam para a necessidade de um ataque maior à juventude negra e pobre via modificação do ECA (Estatuto da criança e do adolescente). O componente repressivo é necessário para esse novo alinhamento. 

Esses movimentos do executivo e do legislativo brasileiros estão fazendo o papel da transição. Após vários anos de polarização entre o PT e o PSDB, quem parece ter capacidade de representar o novo alinhamento econômico na esfera política é o PMDB. A sinalização de Eduardo Cunha, antes de ontem, de que o PMDB deve sair do governo pode ser a que marque o próximo período da luta institucional. 

Vemos hoje que a estratégia da via parlamentar do PT e do PSOL desarticularam os movimentos organizados e, com essa ofensiva conservadora, nos vemos inaptos a confrontar os ataques contra a população trabalhadora. Só a ação organizada dos setores da população que mais os sofre pode fazer o enfrentamento necessário a esses ataques e superar as ilusões institucionais que têm mantido como refém as organizações do ciclo anterior da luta de classes. 

As greves e movimentos de resistência multiplicam-se. Mas ainda não encontram bastiões sólidos que sejam referência unificadora e ajudem a articular e superar o momento “espontâneo”, localizado ou setorial, cuja energia se esvai momentaneamente. Os povos indígenas têm sido os que mais têm crescido em organização, e também os mais brutalmente golpeados. Novas lutas virão, precisamos ser mais e mais organizados.

Dilma se encontrando com Kissinger
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[1] - Assessor para assuntos de segurança nacional (de 1968 a 1973) do presidente Nixon e secretário de estado (de 1973 a 1977) do mesmo e do seu sucessor, o presidente Ford. Operador da política externa de EUA, tem sido acusado de campanha secreta de bombardeios contra civis em Cambodja a partir de 1969,  assassinatos em Bangladesh, conspiração contra o presidente de Chipre, aprovação do genocídio de Suharto em Timor Leste, sequestro e assassinato de um periodista em Washington, articulador do golpe de Estado contra Salvador Allende em Chile.