A onda de desemprego prepara a blindagem dos empresários para se acolher mais à frente no novo marco de legislação trabalhista. As chacinas contra a juventude da periferia e os indígenas adiantam-se a outro marco legal que busca manter na linha a “população excedente” da cidade e retroceder na política de demarcação das terras indígenas, que já se anuncia na “Agenda Brasil”. Também aponta para esse novo marco legal a redução da idade de responsabilidade penal.
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Quando falamos em “golpe”, “golpe de Estado”, temos em mente: 1- a instauração de ditaduras militares, 2 - recesso do congresso, 3 - fim das eleições diretas, 4 - perda de direitos trabalhistas, 5 – crise econômica e 6 - muita repressão pelos militares. Atualmente os três primeiros exemplos acima citados são, inclusive, desnecessários para os três últimos. Aqueles que alardeiam quanto a um “golpe” não veem que já estamos sofrendo um duro golpe escondido sob a defesa da “democracia” para poucos. Ao fim do texto apresentamos um quadro que caracteriza o golpe do qual falamos.
Nos noticiários vemos inúmeros alardes sobre a crise que paira sobre o país: altos preços dos alimentos, demissões em massa, falências de empresas, entre outros. Isto é, vivemos a pior crise econômica dos últimos 20 anos. Os ataques não se apresentam apenas no nível econômico, mas na violência policial, como na chacina de Osasco (SP) e o acirramento dos ataques dos fazendeiros contra os indígena no Mato Grosso do Sul (MS). Todo esse quadro afeta o cotidiano da população. Porém, qual é o pano de fundo desse cenário?
Um momento de crise significa, em suma, que a possibilidade de manter os lucros dos capitalistas está se esgotando ou se estreitando. Nos noticiários não é raro vermos as “taxas de crescimento da economia” e “aumento do PIB” como índices que, sem muita explicação, caso diminuam de um ano para o outro, já tornam o quadro da economia alarmante e justificam a piora da condição de vida dos trabalhadores.
Neste momento os investidores estão repensando como e onde irão investir seu dinheiro tendo o maior retorno possível em lucro. Isto significa que também precisam excluir competidores, diminuindo o número dos ganhadores e redistribuindo entre esses poucos o poder de decisão. Exemplo disto é que os grupos antes beneficiados, no período 2002-2010, estão perdendo espaço de subsídios e investimentos, como a indústria de transformação e as construtoras, porém, setores como o agronegócio continuam beneficiados [1]. A isto chamamos de realinhamento na esfera econômica.
Consequência disto é que os governos dos países são pressionados a reduzir os “custos” para aumentar os lucros. Com “custos” queremos dizer o montante destinado aos salários (remuneração da força de trabalho) e os recursos gastos pelo Estado em políticas sociais como saúde, educação, redistribuição de renda, direitos trabalhistas, previdência etc. Isto, que consiste no aumento da exploração da força de trabalho, é necessário para atrair investimentos e aumentar a competitividade nacional, diminuindo o chamado “custo Brasil”.
Vivemos o fim de um ciclo de expansão econômica, ou seja, de “crescimento”, e entramos num período de reconcentração que exige um novo marco político e legal que crie as condições necessárias para uma transição segura. Esse realinhamento na esfera econômica requer, em países de capitalismo dependente e subordinado, como o Brasil, definir, na esfera política, os operadores desta transição.
No atual cenário político, o “Fla x Flu” entre PT e PSDB que assistimos durante a campanha eleitoral de 2014 e continuou até pouco tempo atrás, com as ameaças de impeachment, que tinha como argumento central a desaprovação das contas da presidenta Dilma Rousseff pelo Tribunal de Contas da União (TCU), foi a exacerbação de uma disputa para ver quem apresenta melhores condições de operar essa transição que já foi desenhada na esfera econômica.
O caso da “Agenda Brasil” (ver quadro abaixo) é elucidativo. A ameaça de impeachment alardeado pela direita e até mesmo por partidos da base do governo Dilma, como o PMDB, foi um instrumento importante para os projetos que preveem uma grande retirada de direitos sociais. Graças a tais ameaças, o atual ministro da fazenda, Joaquim Levy, representante do capital bancário, promoveu uma tensa unidade entre a federação dos bancos (FEBRABAN) com a federação da indústria (FIESP), nesta proposta feita por Renan Calheiros, presidente do Senado e membro do PMDB [2]. Esse chamado “acordão” tende a colocar a esfera política em sintonia com a dinâmica dos interesses e necessidades econômicos. Após isto, toda a base do congresso que estava em prol do impeachment recuou e até mesmo as organizações Globo deram um golpe de timão mudando seu editorial de apoio ao golpe para um chamado à “governabilidade”.
Em nome dessa mesma “governabilidade”, a presidenta Dilma e o Partido dos Trabalhadores (PT) fazem coro a necessidade de encampar estes retrocessos. Cabe perceber que o impeachment era uma saída desgastante, arriscada e desnecessária para reenquadrar as políticas públicas nas necessidades de rápida concentração que o capital tem. Mas, a campanha que girou em torno do impeachment serviu para desviar as atenções e acelerar a imposição do novo marco legal e de políticas públicas. A urgência responde à intenção de evitar resistências e disciplinar as classes trabalhadoras: para elas, tratamento de choque.
A “Operação Lava-Jato”, que serviu para desgastar o governo federal ante o grande público, vem servindo, inadvertidamente, para transferir parte substancial das obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e do Programa de Investimento em Logística (PIL) para novos investidores nacionais e internacionais. Uma das consequências deste novo realinhamento, como vimos com a viagem de Dilma e Levy para os EUA no primeiro semestre [3], foi abandonar boa parte das relações comerciais com países da América Latina e se articular com os interesses do bloco estadunidense, exemplo nítido disto é que a própria “Agenda Brasil” prevê a desarticulação do Mercosul.
Os cortes na educação com o chamado “ajuste fiscal” intensificam o quadro. Com os cortes de verbas, o já falido sistema básico chega ao limite, projetos de melhoria da educação começam a retroceder, com o fechamento de salas e a falta de professores. Também se colocam nesse bojo o corte de verbas para a construção de creches, uma das evidencias de que o maior peso desta crise irá cair sobre as mulheres.
Também a SEPPIR (Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial), a SPM (Secretaria de Política para as Mulheres) e a SPJ (Secretaria de Políticas para a Juventude) estão ameaçadas de acabar [4].
Do lado de baixo do tabuleiro, as classes despossuídas, que têm tudo a perder com essas medidas, precisam ser controladas para a garantia do sucesso do projeto. Os projetos da lei de antiterrorismo, redução da maioridade penal (ver quadro), bem como o fortalecimento das forças armadas nacionais são os dispositivos de controle desta articulação. As recentes chacinas de Osasco e os ataques dos ruralistas contra os indígenas no Mato Grosso do Sul antecipam a tragédia social que se vislumbra para o Brasil.
A reestruturação da classe trabalhadora aumentou a fragmentação entre os setores, pela via da terceirização, agora regulamentada e intensificada pelo projeto de lei 4330 (ver quadro), da dispersão geográfica da produção e da constituição de uma camada de trabalhadores especializados de “alto padrão”.
Nos embates internos do PT, originalmente instrumento de organização da classe trabalhadora e representante do ciclo de lutas dos anos 80, acabou vencendo a tendência que administrou o período de expansão do capital, desarticulando os organismos de classe (sindicatos, movimentos sociais, etc.) e integrando-os ao Estado. O resultado disso foi que a trajetória de lutas dos últimos 20 anos em nosso país não conseguiu instabilizar a dominação burguesa, e tão pouco deixou um legado combativo para o enfrentamento dos ataques aos nossos direitos.
Esse fio interrompido na década de 90 ainda não foi reatado. Tal falta de organicidade tem configurado um obstáculo para as classes trabalhadoras se lançarem na disputa política para defender suas próprias causas, libertando-se das relações de cooptação política a reboque dos interesses e das necessidades das forças que dominam a ordem existente. Tem, até mesmo, inviabilizado uma resposta nacionalmente integrada da classe trabalhadora que faça frente aos ataques diretos do grande capital, entre outros, o representado pela “Agenda Brasil”. Este estado de coisas dificulta a resistência, mesmo numa conjuntura em que afloram greves e mobilizações por todo o território nacional.
Faltam lutas contínuas com força suficiente para contagiar e aglutinar os elementos dispersos nacionalmente em eixos comuns de ação. A extrema fragmentação dos movimentos sociais e da própria classe trabalhadora, junto com o total descrédito em que as organizações do ciclo PT se colocaram, nos alerta para o fato de que o golpe já ocorreu ante a intensificação da exploração da força de trabalho. É preciso reagir imediatamente.
Nos noticiários vemos inúmeros alardes sobre a crise que paira sobre o país: altos preços dos alimentos, demissões em massa, falências de empresas, entre outros. Isto é, vivemos a pior crise econômica dos últimos 20 anos. Os ataques não se apresentam apenas no nível econômico, mas na violência policial, como na chacina de Osasco (SP) e o acirramento dos ataques dos fazendeiros contra os indígena no Mato Grosso do Sul (MS). Todo esse quadro afeta o cotidiano da população. Porém, qual é o pano de fundo desse cenário?
Um momento de crise significa, em suma, que a possibilidade de manter os lucros dos capitalistas está se esgotando ou se estreitando. Nos noticiários não é raro vermos as “taxas de crescimento da economia” e “aumento do PIB” como índices que, sem muita explicação, caso diminuam de um ano para o outro, já tornam o quadro da economia alarmante e justificam a piora da condição de vida dos trabalhadores.
Neste momento os investidores estão repensando como e onde irão investir seu dinheiro tendo o maior retorno possível em lucro. Isto significa que também precisam excluir competidores, diminuindo o número dos ganhadores e redistribuindo entre esses poucos o poder de decisão. Exemplo disto é que os grupos antes beneficiados, no período 2002-2010, estão perdendo espaço de subsídios e investimentos, como a indústria de transformação e as construtoras, porém, setores como o agronegócio continuam beneficiados [1]. A isto chamamos de realinhamento na esfera econômica.
Consequência disto é que os governos dos países são pressionados a reduzir os “custos” para aumentar os lucros. Com “custos” queremos dizer o montante destinado aos salários (remuneração da força de trabalho) e os recursos gastos pelo Estado em políticas sociais como saúde, educação, redistribuição de renda, direitos trabalhistas, previdência etc. Isto, que consiste no aumento da exploração da força de trabalho, é necessário para atrair investimentos e aumentar a competitividade nacional, diminuindo o chamado “custo Brasil”.
Vivemos o fim de um ciclo de expansão econômica, ou seja, de “crescimento”, e entramos num período de reconcentração que exige um novo marco político e legal que crie as condições necessárias para uma transição segura. Esse realinhamento na esfera econômica requer, em países de capitalismo dependente e subordinado, como o Brasil, definir, na esfera política, os operadores desta transição.
No atual cenário político, o “Fla x Flu” entre PT e PSDB que assistimos durante a campanha eleitoral de 2014 e continuou até pouco tempo atrás, com as ameaças de impeachment, que tinha como argumento central a desaprovação das contas da presidenta Dilma Rousseff pelo Tribunal de Contas da União (TCU), foi a exacerbação de uma disputa para ver quem apresenta melhores condições de operar essa transição que já foi desenhada na esfera econômica.
O caso da “Agenda Brasil” (ver quadro abaixo) é elucidativo. A ameaça de impeachment alardeado pela direita e até mesmo por partidos da base do governo Dilma, como o PMDB, foi um instrumento importante para os projetos que preveem uma grande retirada de direitos sociais. Graças a tais ameaças, o atual ministro da fazenda, Joaquim Levy, representante do capital bancário, promoveu uma tensa unidade entre a federação dos bancos (FEBRABAN) com a federação da indústria (FIESP), nesta proposta feita por Renan Calheiros, presidente do Senado e membro do PMDB [2]. Esse chamado “acordão” tende a colocar a esfera política em sintonia com a dinâmica dos interesses e necessidades econômicos. Após isto, toda a base do congresso que estava em prol do impeachment recuou e até mesmo as organizações Globo deram um golpe de timão mudando seu editorial de apoio ao golpe para um chamado à “governabilidade”.
Em nome dessa mesma “governabilidade”, a presidenta Dilma e o Partido dos Trabalhadores (PT) fazem coro a necessidade de encampar estes retrocessos. Cabe perceber que o impeachment era uma saída desgastante, arriscada e desnecessária para reenquadrar as políticas públicas nas necessidades de rápida concentração que o capital tem. Mas, a campanha que girou em torno do impeachment serviu para desviar as atenções e acelerar a imposição do novo marco legal e de políticas públicas. A urgência responde à intenção de evitar resistências e disciplinar as classes trabalhadoras: para elas, tratamento de choque.
A “Operação Lava-Jato”, que serviu para desgastar o governo federal ante o grande público, vem servindo, inadvertidamente, para transferir parte substancial das obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e do Programa de Investimento em Logística (PIL) para novos investidores nacionais e internacionais. Uma das consequências deste novo realinhamento, como vimos com a viagem de Dilma e Levy para os EUA no primeiro semestre [3], foi abandonar boa parte das relações comerciais com países da América Latina e se articular com os interesses do bloco estadunidense, exemplo nítido disto é que a própria “Agenda Brasil” prevê a desarticulação do Mercosul.
Os cortes na educação com o chamado “ajuste fiscal” intensificam o quadro. Com os cortes de verbas, o já falido sistema básico chega ao limite, projetos de melhoria da educação começam a retroceder, com o fechamento de salas e a falta de professores. Também se colocam nesse bojo o corte de verbas para a construção de creches, uma das evidencias de que o maior peso desta crise irá cair sobre as mulheres.
Também a SEPPIR (Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial), a SPM (Secretaria de Política para as Mulheres) e a SPJ (Secretaria de Políticas para a Juventude) estão ameaçadas de acabar [4].
Do lado de baixo do tabuleiro, as classes despossuídas, que têm tudo a perder com essas medidas, precisam ser controladas para a garantia do sucesso do projeto. Os projetos da lei de antiterrorismo, redução da maioridade penal (ver quadro), bem como o fortalecimento das forças armadas nacionais são os dispositivos de controle desta articulação. As recentes chacinas de Osasco e os ataques dos ruralistas contra os indígenas no Mato Grosso do Sul antecipam a tragédia social que se vislumbra para o Brasil.
A reestruturação da classe trabalhadora aumentou a fragmentação entre os setores, pela via da terceirização, agora regulamentada e intensificada pelo projeto de lei 4330 (ver quadro), da dispersão geográfica da produção e da constituição de uma camada de trabalhadores especializados de “alto padrão”.
Nos embates internos do PT, originalmente instrumento de organização da classe trabalhadora e representante do ciclo de lutas dos anos 80, acabou vencendo a tendência que administrou o período de expansão do capital, desarticulando os organismos de classe (sindicatos, movimentos sociais, etc.) e integrando-os ao Estado. O resultado disso foi que a trajetória de lutas dos últimos 20 anos em nosso país não conseguiu instabilizar a dominação burguesa, e tão pouco deixou um legado combativo para o enfrentamento dos ataques aos nossos direitos.
Esse fio interrompido na década de 90 ainda não foi reatado. Tal falta de organicidade tem configurado um obstáculo para as classes trabalhadoras se lançarem na disputa política para defender suas próprias causas, libertando-se das relações de cooptação política a reboque dos interesses e das necessidades das forças que dominam a ordem existente. Tem, até mesmo, inviabilizado uma resposta nacionalmente integrada da classe trabalhadora que faça frente aos ataques diretos do grande capital, entre outros, o representado pela “Agenda Brasil”. Este estado de coisas dificulta a resistência, mesmo numa conjuntura em que afloram greves e mobilizações por todo o território nacional.
Faltam lutas contínuas com força suficiente para contagiar e aglutinar os elementos dispersos nacionalmente em eixos comuns de ação. A extrema fragmentação dos movimentos sociais e da própria classe trabalhadora, junto com o total descrédito em que as organizações do ciclo PT se colocaram, nos alerta para o fato de que o golpe já ocorreu ante a intensificação da exploração da força de trabalho. É preciso reagir imediatamente.
Marco legal do “golpe”
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Traduzindo os pontos da “Agenda Brasil”
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[1] – No período 2002 a 2010, as construtoras e a indústria de transformação, aliadas ao agronegócio e à mineração, conformaram a chamada “frente neodesenvolvimentista”, e receberam amplo crédito de fundos tirados dos trabalhadores via Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Todos os setores perderam força pela queda do preço das commodities e pela retração do comércio internacional. A crise obriga a uma diminuição no poder de compra pelo corte das políticas sociais, o que afeta diretamente a indústria de transformação. Testemunhamos hoje um deslizamento nessa “frente”, com uma aproximação do agronegócio ao capital bancário e financeiro.
[2] – Algumas notícias: “Senado amplia pacote anticrise após receber Levy” (http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,em-nova-versao-de-agenda--renan-recua-sobre-cobranca-no-sus-e-propoe-fim-do-mercosul,1742969); “Joaquim Levy realiza encontro com banqueiros e os aproxima do governo” (http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,em-nova-versao-de-agenda--renan-recua-sobre-cobranca-no-sus-e-propoe-fim-do-mercosul,1742969); “Empresários vão apoiar agenda de Levy para retomada...” (http://www.valor.com.br/brasil/4179832/empresarios-vao-apoiar-agenda-de-levy-para-retomada-diz-ceo-da-amcham)
[3] –“ A viagem de Dilma Rousseff aos EUA e os novos alinhamentos do capitalismo” http://coletivocanudos.blogspot.com.br/2015/07/a-viagem-de-dilma-rousseff-e-os-novos.html
[4] –“ Acabar com a Seppir não reduz gastos e é retrocesso no combate ao racismo” http://www.geledes.org.br/acabar-com-a-seppir-nao-reduz-gastos-e-e-retrocesso-no-combate-ao-racismo/#gs.8a2303f3e3a4454aa7a518acee8316af
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