Não há atalhos

O debate em torno da disputa na esfera política, pela continuidade ou não do governo do Partido dos Trabalhadores, tende a ignorar a nova configuração do capitalismo.

A questão indígena no Brasil

Quando José Carlos Mariátegui formulou sua tese sobre a questão indígena no Peru disse que "o problema do índio era o problema da terra"...

O "golpe" já aconteceu

A onda de desemprego prepara a blindagem dos empresários para se acolher mais à frente no novo marco de legislação trabalhista. As chacinas contra a juventude da periferia e os indígenas...

A luta por cotas na Unesp

Os recentes casos de pichações racistas em Bauru, com os escritos “negras fedem”, “Juarez macaco” entre outros, recentemente chocaram a UNESP e a sociedade, por demonstrar que o racismo é algo que existe...

A Viagem de Dilma Roussef aos EUA e os novos alinhamentos do capitalismo

A viagem da presidenta Dilma Rousseff aos EUA, com toda a carga simbólica do encontro com Obama e Kissinger[1] e com todos os desdobramentos não explicitados, é um episódio revelador...

sexta-feira, 8 de abril de 2016

Não há atalhos


O debate em torno da  disputa na esfera política, pela continuidade ou não do governo do Partido dos Trabalhadores, tende a ignorar a nova configuração do capitalismo. Mesmo com todas as mediações entre uma e outra esfera, essas transformações de fundo são base material das determinações que se impõem para os Estados e para os governos. 

Impulsionados por EUA, o Tratado Transatlântico, o Tratado Transpacífico e do TiSA (tratado de comércio de serviços) ampliam em escala planetária as zonas de livre comércio e as garantias para preservar os interesses das empresas transnacionais de eventuais tentativas de mudança na política interna dos países. A imposição dos três tratados exige uma adaptação do marco legal e do funcionamento do Estado em cada país. As consequências destas modificações terão maior impacto sobre as populações da periferia. Países como El Salvador, e mesmo México desde 1994, só para citar alguns exemplos do continente, já sofreram desde a última década do século XX essa transformação. As áreas de livre comércio e a instalação de maquiladoras nesses países são amostras da tendência que os três tratados consolidariam como norma. O Brasil beneficiou-se de uma posição intermediária dentro da ordem que vem se configurando, servindo de operador para a realização, dentro da região e mesmo em países da África, da especialização dos países "destinados" à produção de commodities. O IIRSA (Iniciativa para a Integração Regional Sudamericana), criada em 2000 na reunião de presidentes da região, já tinha apostado em criar a infraestrutura necessária para o escoamento e circulação veloz de commodities. 

Durante os governos do Partido dos Trabalhadores, o Estado brasileiro tem agido com relativa eficiência para impulsionar a expansão do capital nesses ramos econômicos, no próprio território, no continente e em países africanos. E têm apostado no desenvolvimento da infraestrutura regional para essa finalidade de especialização produtiva. Esse papel diferenciado do Brasil deu margem e criou condições para a extração de lucros extraordinários para empresas com sede no território nacional e permitiu certo favorecimento à indústria de transformação local. Essa margem se estreitou com a promoção dos três tratados, a nova "pax americana", que toma a iniciativa de reorganizar as cadeias produtivas e seu funcionamento em escala planetária, com um controle mais concentrado por determinadas empresas. Essa "pax americana" arremete agora na América Latina.

No Brasil, a composição de classe interna que deu sustentação ao projeto dos governos do Partido dos Trabalhadores já não pode ser satisfeita. Por exemplo, o setor do empresariado industrial, que foi relativamente favorecido, não encontra o mesmo apoio e nem a representação deste segundo governo de Dilma Rousseff. Daí a virulência da oposição da FIESP (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) e o posicionamento da FIRJAN (Federação das Indústrias do Estado de Rio de Janeiro) em favor do impeachment. As novas determinações externas fazem com que o governo priorize outros setores, subsidie menos a indústria, aumente os juros e isto é ruim para o setor. 

Só que nem o PMDB e menos o PSDB se comprometem com uma política de apoio à indústria. Entre os partidos da ordem, nenhum cogita resistir a esta imposição externa. O que estão fazendo é disputar qual desses continuará administrando essa transição com estilos diferentes. Esta campanha judicial articulada com a campanha midiática que se realiza contra o PT terminará debilitando todos os partidos da ordem, uma vez que lançam investigações que revelam a rede de favores como prática inerente a governabilidade no capitalismo dependente. Isto demonstra a autocracia do Estado burguês na periferia, que implica às vezes em ilegalidades e às vezes em uso seletivo da lei para favorecer (no sentido da instituição do favor) um setor e não outro. A própria investigação Operação Santiagraha, deflagrada em 2004, que investigou pagamento de propinas a políticos, juízes e jornalistas por parte de banqueiros e lavagem de dinheiro,  foi engavetada porque ia desestruturar o Estado se tudo isto se expusesse. Os 315 políticos da lista da delação premiada da Odebrecht, por exemplo, não permitem manter a Operação Lava Jato com foco exclusivo no PT, mesmo com todos os dispositivos que mobilizam para tal. Mas também tem o processo de investigação sobre as contas de Cunha. E agora são divulgados os "Panamá papers", resultados da pesquisa de um consórcio de jornalistas investigativos, e que revela nomes de centos de políticos brasileiros envolvidos na criação de empresas em paraísos fiscais. Além de ficar fora do alcance da receita federal, as empresas estão sob suspeita de operar a lavagem de dinheiro de propinas e outras atividades ilegais. É difícil dizer como os partidos irão se recompor. Qualquer solução de caráter institucional que houver será uma solução necessariamente instável. Como ter autoridade se eles geraram uma desconfiança completa no funcionamento do Estado? 

Dentro dessa disputa, as classes trabalhadoras não têm meios para pesar na esfera política, não têm instrumentos para isto. Primeiro porque os instrumentos criados no anterior ciclo de lutas, iniciado no final dos anos de 1970, com a criação do PT, não representam a configuração atual da classe e perderam a relação orgânica com ela. Mas também porque estas organizações, do ponto de vista da estratégia política, permanecem coladas ao velho projeto e não vislumbram qualquer outra possibilidade. Elas não têm a confiança, o apoio, o reconhecimento da classe. Então o grosso dos trabalhadores não está se manifestando dentro dessa disputa. De fato, seja nas mobilizações, seja nas campanhas, a classe está observando e desconfia que será usada. O PT está demonstrando a sua forma de operar esta transição, seja com o "Lulinha paz e amor" ou com a sanção da lei anti-terrorismo.

O impeachment seria sim uma reconfiguração das relações institucionais. O que cabe a nós pensarmos é: em que medida esta ruptura vai trazer consigo um aparelhamento veloz do marco repressivo? Enquanto vemos a virulência do conflito nas instituições, apreciamos um aquecimento das lutas sociais, um crescimento em número e em radicalidade: na forma de greves, ocupações e mobilizações; em categorias de trabalhadores, estudantes secundaristas e povos indígenas. Desde 2013, por exemplo, fomos superando o número de greves de 1989 (maior marca desde o golpe de 1964). São greves de categorias de trabalhadores da indústria, da educação, de serviços (não raro precarizados), muitas vezes acompanhadas de ocupações dos espaços de produção, para garantir a fonte de trabalho. Mas vemos também a inclusão de uma nova geração de lutadores, trabalhadores ou filhos de trabalhadores que estudam nas escolas públicas, que realizam ocupações contra o processo de sucateamento e privatização da educação. Assistimos a uma ação ininterrupta de retomadas de terras pelas novas gerações indígenas, ante a paralisia da demarcação e o avance avassalador do agronegócio sobre suas terras. São lutas centrífugas aos polos que disputam na esfera política e não se deixam capturar por eles.

Essas lutas ainda não têm alcance nem continuidade nacional que resultem em novas organizações. A grande preocupação das classes trabalhadoras com relação a esta disputa é em que medida e como serão articulados os dispositivos repressivos, porque eles sim poderão afetar a amplitude dessas lutas. Mesmo essas ações que se recusam a serem capturadas no campo de forças que disputam na esfera política da ordem podem ser afetadas por um marco repressivo velozmente aparelhado. A velocidade que pretende tanto o PSDB e uma parte importante do PMDB pode criar situações muito instáveis.

Sobre essa questão, o elemento externo determinante, os EUA, ainda não tem uma opinião formada e consolidada. O complexo industrial-militar e petroleiro, que tem representação política no Partido Republicano impulsiona toda essa articulação midiática e judicial. Para este setor, a desestabilização e os conflitos localizados criam oportunidades para negócios com lucros extraordinários. O setor do Partido Democrata tem uma visão de conjunto, atentando menos aos interesses de um ou outro setor, e vem apostando numa dominação sem percalços. Ele vê com certa apreensão uma situação que rompa com as instituições republicanas. E, de fato, os governos do PT mostraram capacidade de lidar com os conflitos sociais. O PMDB e o PSDB não possuem essa capacidade de mediação de conflitos, e precisariam lançar mão apenas da força de repressão para realizar a transição. 

Dentro desse quadro todo, a convocação à mobilização por parte do governo e do PT, é feita dentro do marco estreito de manter "respirando com aparelhos" o apoio das organizações sociais. Eles convocam com a contrapartida do gesto isolado de desapropriação de áreas já arrecadadas, mas que mofavam nas gavetas da presidência, para comunidades quilombolas, ribeirinhos ou sem terra e a destinação de recursos para o programa "Minha casa, minha vida", que estava paralisado.

A oposição de direita mobiliza o ressentimento social das camadas médias contra os mais pobres. Alimenta o comportamento policialesco dessas camadas contra os mais pobres, se valendo do discurso da meritocracia. Não apenas na espuma das manifestações midiáticas, mas com consequências na sociabilidade no seu aspecto mais cotidiano.

Os partidos da oposição de esquerda apostam mais uma vez na constituição de frentes que se apresentem como um terceiro polo na esfera política. Reiteram assim a estratégia de procurar o povo aí onde ele não está, sem qualquer diagnóstico sobre a experiência que a classe está fazendo nessa conjuntura. Tanto o chamado para eleições gerais, como a proposta de assembleia constituinte apostam na possibilidade imediata da classe agir como protagonista na esfera política. Mas o cenário entre os trabalhadores é de descrença na participação institucional. Tanto daqueles que estão mobilizados nas lutas sociais, como daqueles que se digladiam em viver sua vida diante da crise econômica. Para eles, a narrativa flexível das novelas pede para continuar trabalhando e sobrevivendo com esperança em tempos melhores que virão. Para se lançar a batalhas maiores e mais decisivas, a classe precisa construir redes de solidariedade a partir dessas lutas parciais. É nas redes capilares da luta que pode se constituir um polo de cultura da classe, potencialmente socialista. 

Não há atalhos, a tarefa é impulsionar as lutas sociais e articulá-las, e não contorná-la.

terça-feira, 15 de março de 2016

A questão indígena no Brasil

Foto: retomada Guarani Kaiowá de Teyi Jusu no MS
Quando José Carlos Mariátegui formulou sua tese sobre a questão indígena no Peru disse que "o problema do índio era o problema da terra". Também falava em "socialismo indo-americano". Tinha dois motivos para tal formulação. O primeiro dizia respeito à formação das classes trabalhadoras peruanas. Afinal, a população peruana era, em 1928, quando ele publicou seus "7 ensaios de interpretação da realidade peruana", Mariátegui calculava que era indígena e camponesa num 80%. Mas ele tinha outra razão muito relevante: os "elementos de socialismo prático" presentes na sociabilidade das comunidades indígenas andinas, os ayllus. Para além dos mal entendidos da época (os estudos sobre a história pré-colombiana eram muito incipientes e atribuía-se aos incas tal sociabilidade -hoje sabemos que é bem mais antiga, remanescente da comunidade primeva) , há, nas comunidades indígenas da América, elementos de uma cultura que permaneceu, mesmo que em forma residual, de um modo de produção e reprodução da vida que não só não é capitalista, mas que conserva traços da sociedade não cindida. É verdade que esses elementos sobreviveram se tornando funcionais às formações econômicas hegemônicas: no caso do mundo andino, primeiro foram funcionais aos sucessivos Estados formados nas grandes sociedades agrícolas da região, incluído o Tanwantinsuyo, e, depois, à integração do território americano ao sistema capitalista mundial, nos sucessivos modelos de acumulação. Mas Mariátegui tinha uma prospectiva de socialismo que se apoiava nessas práticas, num contexto de luta anticapitalista que encontrasse nessa sociabilidade bases de inspiração e de criação prática que se desenvolvessem num sentido universal, saindo da condição residual para se tornar hegemônica, sem passar pelo desenvolvimento capitalista como uma etapa "necessária". 

O procedimento teórico não tinha uma originalidade tão radical. Marx tinha estudado o mir (a comuna eslava) para responder a uma pergunta da inquieta revolucionária russa Vera Zasulich. E estimava que o programa agrário para a revolução socialista na Rússia bem podia se basear na tradição comunal eslava, sem passar necessariamente pelo estímulo à pequena propriedade agrária. A originalidade de Mariátegui foi a de generalizar esse procedimento para a Indo-América. 

Mas, quando os socialistas de Brasil falamos em questão indígena, nos encontramos com outra situação. Por um lado, a atual população indígena no Brasil não passa de um milhão de pessoas. Por outro, e isto é bem importante, nos encontramos com grupos humanos que conservaram teimosamente, muito mais do que as comunidades andinas, uma sociabilidade que se recusa à produção de excedente, à diferenciação social e a qualquer forma de Estado. As culturas que aqui prosperaram antes da chegada dos europeus eram culturas da abundância. E que preferiam correr o risco da falta de recursos para o consumo diferido (em caso de adversidades contingentes) a criar bases para a concentração do poder. Não havia ingenuidade, hoje sabemos, nessa escolha. Provavelmente, foi uma disjuntiva em que todas as comunidades primevas se viram obrigadas a optar. No caso dos indígenas do território que hoje chamamos Brasil, em ocasiões houve tentativas de interromper qualquer desenvolvimento de cisões sociais. O grande movimento "messiânico" dos karai, no século XV, entre os guarani, antes mesmo da chegada dos europeus, denuncia esse gesto. Eles desafiaram a ordem que tendia à cisão social por meio da chamada ao jeguatá, a procura da Terra Sem Mal, que incluía a desarticulação da ordem na troca de mulheres. 

Os europeus não encontraram, no território que hoje chamamos Brasil, formas de exploração do trabalho que pudessem reaproveitar para a acumulação capitalista, como aconteceu no mundo andino ou em Meso-América. Os indígenas neste território preferiram, na grande maioria, fugir para o mato a se submeter ao trabalho forçado, ou mesmo à redução em reservas ou missões. Há nos indígenas do território brasileiro elementos  radicais de socialismo prático, que em outras regiões do  continente já tinham perdido hegemonia fazia até um par de milênios. 

É por esse motivo que os socialistas no Brasil precisamos olhar para os indígenas da região com gesto aprendiz. Como era o mundo antes da exploração de uns por outros? Como era o mundo antes da alienação? E como podemos ser os humanos sem sede de poder sobre os outros? Como podemos ser os humanos numa economia de abundância? Como podemos ser sem destruir o mundo? Muita coisa para aprender.

Mas existe uma realidade que ameaça os indígenas que tinham fugido, durante a colonização, para terras que não interessavam ao capital. Hoje não existe nem um milímetro de território que não interesse ao capital, seja para a produção, seja para a especulação. O avanço do capital sobre o território das comunidades, não só indígenas, senão também as caboclas (aquelas que ficaram a meio caminho entre o mundo indígena e o branco -as que se reproduzem fora do mercado) ameaça o povo e ameaça a terra, a água, o mato como habitat. O círculo virtuoso da vida próprio dos territórios das comunidades primevas é interrompido. O avanço da produção de commodities, seja agrícolas, pecuárias ou minerais, com tudo arrasa. 

Frente a isso, quando parece que nada detém avanço do capital, os povos indígenas resistem. E não apenas resistem: eles têm uma estratégia de recuperação do que foi perdido. Sua renitente recusa a qualquer forma de poder de um grupo social sobre outro os bem orienta. As autodemarcações, que aparecem revestidas de uma legitimidade constitucional, uma vez que realizam, na prática, o que diz a letra do artigo 231 e o 232 da constituição de 1988, têm um sentido mais profundo. Porque se opõem radicalmente ao princípio motor, paradigma do capital: a ideologia que toma como doxa a produtividade econômica, ou seja, o desenvolvimento para a acumulação capitalista, levando a produção de excedente ao paroxismo.  

No caso específico dos guarani, aquela etnia mais organizada "internacionalmente", o lema que esgrimem é "terra, justiça e liberdade". Prestemos atenção no significado que eles dão a "liberdade". Eles se referem a um mundo sem cercas, onde a circulação humana, mas também animal e de pólen não tenha impedimentos. É o jeguatá. Aquilo que nós chamaríamos, muito modernamente, de "corredores ecológicos" e "permacultura", sem os quais o jeguatá, a caminhada indígena, que não carrega mantimentos, se torna impossível. Territórios contínuos de abundância, sem os quais a sobrevivência humana também se tornará rapidamente impossível.

Este texto opta por não tratar a questão indígena como uma questão humanitária centrada nos indígenas, e sim por tratá-la como uma questão centrada no desenvolvimento da humanidade, em termos universais, que é a perspectiva de nós, socialistas.

O debate sobre o mundo indígena pode ajudar também a pensar na sociedade não cindida como prospectiva, como narrativa de futuro: sobre a opressão de classe, sobre a opressão colonial e racial e sobre a opressão patriarcal (sobre as mulheres e os filhos), matriz de todas as outras, segundo reflete Abdullah Öcalan. Quando os europeus chegaram a América, encontraram muitos grupos que resistiam ao patriarcado. O próprio nome dado à Amazônia é um registro desse efêmero encontro. 

Não se trata de um retorno ao passado pré-industrial. Trata-se de recuperar princípios dos quais a cisão social nos desviou. Os princípios vivos nos povos indígenas, e não apenas no campo da sociabilidade, mas também da relação com o ambiente, desafiam-nos a repensar a produção industrial. O norte desta, sob a égide do capital, é a acumulação. O sentido dela é anti-humano, anti-ambiental. Como seria uma economia moderna, e por tanto industrial, orientada para a produção e reprodução da vida? Quais os ramos da indústria que interessam a essa finalidade e quais as transformações necessárias para zerar seu impacto social e ambiental negativo? Como princípios de uma "economia de abundância", sem acumulação de excedente, poderiam orientar essas transformações? Será que os princípios da permacultura , com a conseguinte racionalização dos processos de produção e redução da energia utilizada para o transporte poderia se aplicar à produção para além das atividades agrocopecuárias e a manufatura de baixa tecnologia? A tendência que a finalidade de acumulação firmou, de produção concentrada, com alto impacto ambiental, não poderia ser revertida pela aplicação de princípios da permacultura também à indústria? A formação de corredores de floresta que os ambientalistas reconhecem como imprescindíveis para a recuperação ambiental não podem ser pensados também como corredores de abundância? 

Os povos indígenas são prova de que o poder exercido para a alienação de energia humana e sua redução à força de trabalho não é uma tendência própria da natureza humana. Ele surge em determinadas condições históricas e houve povos que resistiram e resistem ao exercício desse poder. O trabalho alienado não é um valor universal. Ele degrada e torna a vida sub-humana. Os povos das terras baixas não compartilham dessa ideologia segundo a qual o trabalho dignifica.

Por isso, para os socialistas do Brasil, da América e para os socialistas em geral, a questão indígena é fundamental. Entre os povos indígenas, o proletariado da cidade e do campo encontra mais que aliados estratégicos: encontra respostas programáticas contra o capital e para aquele "sonho de uma coisa" do qual falava Marx.

terça-feira, 19 de janeiro de 2016

NOVO ATAQUE CONTRA TERRA RETOMADA DE TEY'I JUSU, COMUNIDADE GUARANI E KAIOWÁ (MS)

Hoje, 19 de janeiro de 2016, pelo menos 6 veículos pertencentes aos fazendeiros da região de Caarapó bloquearam a estrada de acesso à retomada Tey'i Jusu. Cortaram assim a comunicação entre a retomada e a reserva indígena Tey'i Kue, único caminho de acesso para o resto do município.
Isto aconteceu após uma atividade, de 16 a 18 de janeiro, em que os Guarani e Kaiowá de Tey'i Jusu receberam a visita de estudantes e professores da UFGD (Universidade Federal de Grande Dourados) e da UNESP (Universidade Estadual Paulista) do Campus de Araraquara-SP, e movimentos sociais. Na casa de reza da comunidade, houve uma celebração pela suspensão de segurança da reintegração de posse. A retomada de Tey'i Jusu do seu território ancestral começou em dezembro de 2014 e essa suspensão é sentida pela comunidade Guarani - Kaiowá como um avanço e pelos fazendeiros da região como uma derrota judicial. Houve uma caminhada com os visitantes pelo Tekoha (território, "lugar onde se é") antigo e aulas públicas com a comunidade.
Ontem, por volta das 16:30 hs, uma caminhonete azul marinho passou e se deteve para os seus ocupantes tirarem fotos dos membros da comunidade e seus visitantes. (Ver vídeo anexo.)**

É preocupante que isto aconteça após a saída dos visitantes, se tratando do descumprimento das decisões da justiça que barrou a reintegração. Ainda agravado pelo histórico da retomada da terra, que conta com um assassinato no 8 de dezembro de 2014 com desaparecimento do corpo da jovem Júlia, após um ataque a bala sofrido pela comunidade por pistoleiros de tocaia na trilha que une a sede da fazenda mais próxima com o Tekoha. Antes e depois desse dia houve vários ataques de matadores profissionais. A comunidade em massa, apesar de desarmada, conseguiu, corajosamente, reter 4 desses homens que, armados com bombas de gás, fuzis e pistolas, circularam ameaçadoramente, às 10:00 hs e os retiveram até a chegada, às 15:00 hs, da Polícia Federal, que nada fez além de devolver as armas para esses homens, que voltaram com elas para a sede da fazenda.

Desde outubro de 2015, a comunidade vem sofrendo ataques químicos dos fazendeiros sobre a área da retomada por avião e por meio do "formigão" (grande maquinário terrestre), que também derrubou casas do Tekoha (ver vídeos em anexo)*. Ataques esses que se intensificaram no mês de dezembro, prévio à decisão judicial de suspensão de segurança. Esses episódios e os relatados no parágrafo anterior estão documentados e na mão do Ministério Público.
Rondas constantes e tentativas de sequestro vem sendo realizadas pelos empregados dos fazendeiros da região. Há registros fílmicos das denúncias desses episódios . 
Na região de Caarapó, é evidente a presença da soja e da cana de açúcar moída pela usina da Raízen (empresa transnacional -fusão da Cosan com a Shell), destino da produção das fazendas locais.

Isto acontece no contexto da paralisação das demarcações das terras indígenas pelo governo federal, a lentidão dos processos em mãos do poder judiciário e a redução do orçamento da FUNAI (Fundação Nacional do Índio). Ao mesmo tempo, há, na região do sul de Mato Grosso do Sul, um avanço da fronteira da cana de açúcar, da soja, da pecuária bovina e do eucalipto.
BASTA DE AGRESSÕES DO ESTADO E DOS LATIFUNDIÁRIOS CONTRA OS POVOS INDÍGENAS!
TERRITÓRIO, JUSTIÇA, E LIBERDADE.
CEIMAM - Centro de Estudos Indígenas Miguel Ángel Menéndez
MST - Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
Coletivo de Agroecologia Resistência Tekoha
Organização Canudos
**link para o vídeo que retrata o fazendeiro que invadiu a Retomada Tey'i Jusu:
https://www.youtube.com/watch?v=4HWD8Z1n_WI